Meu irmão esteve em Cuba trabalhando. Foi recebido como turista, hospedou-se como turista e viveu uns dias de turista, no bem-bom dos hotéis e praias do Caribe. Comida da melhor qualidade, paisagens maravilhosas, música de primeira e um tratamento de rei. Até botar os pés na rua e ser assaltado por um moleque.
No dia seguinte, ao sair do hotel foi abordado por um cubano que, falando um português perfeito, ofereceu-se para ser o guia informal do grupo. Disse ser professor de português e ver na oportunidade de conviver com os brasileiros uma chance preciosa de praticar o idioma e aprender sobre nossa cultura. Aos poucos, pela simpatia, humildade e honestidade, o cubano conquistou a confiança de meu irmão e de seus amigos. Transformou-se no guia oficial do grupo durante a estadia em Havana.
E então meu irmão começou a falar dos choques. O primeiro aconteceu quando o grupo voltou para o hotel. Todos entraram, menos o guia, que parou na porta. Ele não podia entrar no hotel dos turistas. É proibido para os cubanos.
O segundo choque aconteceu quando o guia apontou uns indivíduos estranhos. Eram policiais sem farda, vigiando os turistas e seus contatos com os cubanos.
O terceiro choque foi quando o grupo parou para comer. Pediram hambúrgueres, inclusive para o guia. Quando o sanduíche chegou, o rapaz começou a chorar. Perguntado, explicou que seus filhos jamais tiveram a oportunidade de comer algo parecido... Quando meu irmão me contou essa história achei exagerada, melodramática. Mas conheço meu irmão. Melodramas não fazem parte de seu repertório. Se ele disse que foi assim, assim foi.
Sobre a questão da educação ele contou um fato curioso. Uma das entidades visitadas estava com dificuldades para contratar "obreiros", que aqui no Brasil são os que fazem serviços gerais. Os candidatos que apareciam para as vagas eram engenheiros, médicos, professores todos excessivamente qualificados. Mas o governo cubano proíbe que gente formada nas escolas públicas seja contratada para posições que não exigem qualificação. As vagas permaneciam abertas, pois não havia gente não qualificada para preenchê-las. No entanto, aqueles médicos, professores e engenheiros não tinham outra opção. Existe educação, mas não existem empregos com remuneração decente.
E assim, de choque em choque, meu irmão conheceu Cuba, um país miserável, sem liberdades, com a população sofrida e sem perspectivas nas mãos de um governo totalitário e anacrônico.
De tudo que li e ouvi a respeito de Cuba desde que Fidel Castro anunciou a renúncia, só acredito no relato de meu irmão. Pouca gente entende mais do que ele das grandes questões cubanas.
Meu irmão é especialista em educação para todos. Meu irmão é expert em segurança para todos. Meu irmão é mestre em saúde para todos. Meu irmão sabe exatamente o que é ter o poder em mãos por décadas. Meu irmão sabe manter uma sociedade de desiguais em harmonia. Meu irmão sabe tudo sobre controle da mortalidade infantil. Meu irmão conhece como ninguém as técnicas para controle da natalidade. Meu irmão sabe exatamente como manter a ordem e a disciplina. Meu irmão sabe como angariar recursos de entidades, do governo – até de outros países – e das empresas para manutenção de sua atividade. Meu irmão sabe como encantar os visitantes. Meu irmão fala muito bem em público. Quando meu irmão aparece, quem está sob sua influência faz festa! A maioria absoluta dos que vivem sob as ordens de meu irmão nunca conheceu outro comandante. Meu irmão fez uma revolução quando assumiu o poder, vinte e cinco anos atrás. Meu irmão é barbudo.
Meu irmão é diretor do Jardim Zoológico de Bauru.
Ele também dá saúde, comida e segurança para todos. E também não dá liberdade.
Se der, a onça come ele...
Este texto é da autoria de:
Luciano Pires
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